Por: Ivanildo da Luz
Desde muito cedo não queria ser refém dos claridosos e os pôs-claridosos. Parte da ideia de que pessoas normais escrevem coisas normais, assim assumi que seria eu a investir numa rutura e completa revolução da literatura Cabo Verdiana.
A minha frenética paixão pelas grandiosas obras fazia de mim um modelo a segui-los e ao mesmo tempo um estilo de vida cativo ao abismo e a morte; Mindelo dotado de uma beleza feminina incontida e bélica me iria inspirar no meu primeiro romance «Amor Implacável», ainda não tinha vinte anos quando comecei a redigi-lo, completamente apaixonado pela minha amada e pela loucura do vício do alcoolismo iria dar cor a mais bela história de amor desta cidade. Mas infelizmente ela deixou-me na minha dor e angústia por não conseguir sair daquela vida lunática e miserável.
Sem ela, faço como Keats escreve versos sem limite, sobretudo dedicado as ninfas de Mindelo, alienado a uma perda irreparável, «Eu cantarei Amor», sinto-me vivo outra vez e no auge da minha carreira quero puni-la minimizando o estrago do meu romance; quem me dera, só aumentei o meu tormento, que o meu único conforto iria ao encontro das prostitutas desta cidade. Dizem que Keats aos vinte e cinco anos morreu da maldita tuberculose, mas para mim sua morte tão prematura foi causada pela maldição das ninfas Britânicas.
Cada vez mais arruinado, atormentado por vários espíritos malignos, descobre que ama a morte mais do que a vida; assim escreve a prosa «Abismo de um Jovem», arrasa, aniquila e é amado cada vez mais por esta cidade, desde modo sinto infeliz, não quer a fama, nem a glória dos homens. Não quer fazer parte da elite da claridade, evita entrevistas, lugares públicos, rejeita todo tipo de convide regional e nacional inerentes à literatura. Agora segue Poe e Kafka, dois poetas atormentados do século passado. No restaurante Colombinho, seu lugar predileto, apercebe-se de que uma professora universitária está apaixonada por ele. O poeta é um novo homem, veste-se bem, frequenta a casa da namorada, conduz carros voluptuosos, decerto pertence à burguesia capitalista de Mindelo, devido ao padrão de vida da namorada.
Nada adianta, é infeliz e incomodado pelo espírito de Kafka, termina a relação relâmpago com a namorada, quando esta lhe pergunta se a amava, porém nem consegue vê-la o rosto para responder à pergunta feita. Sabe que – como Poe, Shelley, Wilde – seu coração está sepultado e morto, definha-se todos os dias no alcoolismo e nas mulheres da vida fácil, enquanto sua amada é bem-sucedida neste governo capitalista. Agora prefere que esta cidade lhe odeie principalmente as ninfas, essas que vivem nas nuvens obcecadas pelo materialismo.
Quer morrer, também não quer cometer o suicídio, então isola-se de tudo e de todos à procura de uma vida simples e humilde, fecha-se como o seu coração está fechado e, para fugir dos espíritos malignos, lê o Evangelho com assiduidade, perde-se muitos amigos num curto espaço de tempo devido a maldição do alcoolismo. Tal como o poeta Cátulo do primeiro seculo, sofre pelo amor incorrespondido e seu único remedio é viver no conforto com Deus. Não consegue e está deprimido, vacila, cai, levanta e descobre todos os males desta cidade. «São Vicente na perdição», o mal que lhe padece, atormenta os jovens que, sem emprego, vão se degradando no grogue, assim provocando uma alta taxa se suicídio sem precedentes.
Afasta-se do meio social, enquanto o romance atinge grande êxito, e é apresentado em Portugal, porém não quer partir, disse que não está na hora de abandonar a dor e o sofrimento. Rejeita a glória do livro, já evangelista descobre Sófocles o trágico Grego, com o seu «Rei Edipo», o masoquista escreve a peça «Malone», a única tragédia original contemplada por todos no festival de Mindelact, na estreia o público lhe reconhece e o parabeniza de pé.
Ignora outra vez a fama, não basta, em suma quer entrar no cinema e num diminuto espaço de tempo vê a sua quarta curta-metragem «A menina do vestido azul» a ser bonificada como a melhor curta do festival FEStin em Portugal. É convidado para receber o prémio, não quer partir, outro vai no lugar dele, primo que, mergulhado numa profunda depressão, escreve o conto policial «A Portuguesa» é o primeiro a redigir uma narrativa deste género tão difícil de concretizar, a obra-prima é inspirada numa musa portuguesa que todos os domingos vai para Laginha apreciar o sol e tomar banho, diante dos olhos arregalados do poeta que, na sua rara aparição ao público, imaginou uma bela narrativa de amor.
Veio a pandemia, o mundo nunca mais seria igual, e aproveita ao máximo o seu dom oferecido pelos Deuses, adapta «São Vicente na perdição» para o cinema, ele mesmo escreve o guião para a produtora, sente-se bem com alguns milhares de euros no bolso, também escreve uma tragédia «O Poeta» para uma companhia de teatro sediada em Portugal, mais um cache de milhares, por fim, gasta e gasta para afugentar a sua desgraça com alguns amigos que restaram ainda, porque, como ele mesmo disse, (amizade nesta cidade é como uma moeda de troca).
Todos os homens têm uma luz divina, menos o poeta, tal como seu amigo Camus, vai à indagação do absurdo, satisfeito e ao mesmo tempo assombrado segue o caminho pela política é Marx e Engels que vai inspirá-lo para o Comunismo. Fascinado, pretende que uma revolução dos proletariados é única solução para combater a burguesia capitalista e os novos ricos que já delataram a alma para o Diabo. Mas logo enxerga, em vez de atacar o capitalismo, havia uma guerra entre os próprios proletariados, isto seria muito penoso para ele, por isso mesmo erradicou e passou a odiar Lenine por ordenar a polícia Theka executar dois milhões de Russos contra o regime.
Sabe que o Comunismo é a negação de Deus, mas o poeta acredita que tudo nesta vida transcende, ele é confesso evangelista, é um mártir, é um pessimismo. Homero com o seu hino a Tróia, Virgilio com o seu hino a Eneida e o poeta com o seu hino «Mindelo é uma festa» mente o povo com este título trocista, nesta cidade ninguém é feliz; aliás, as pessoas fingem que são felizes e vivem numa cidade de trevas. «Declaro-vos como o Rei do Abismo, o mais, melhor, maior poeta deste arqui[élago»