Por: Olavo Freire
Enquadramos a Liberdade de Imprensa no grupo de Direitos, Liberdades e Garantias, que tem um regime muito próprio.
Na Constituição da República temos os Direitos Fundamentais na perspetiva estadualista – como conjunto de direitos que vigoram numa dada ordem jurídica -, a segunda é a perspetiva universalista dos Direitos Humanos, conforme prevê no seu art°17°-n°3, a divisão entre Direitos Liberdades e Garantias e Direitos Económicos Sociais e Culturais, com clara diferença de regime. Em primeiro lugar surge o regime geral que se aplica quer aos Direitos Liberdades e Garantias, quer aos Direitos Económicos Sociais e Culturais, principio da universalidade (cfr. art.23°da CRCV), principio da igualdade, principio de acesso ao direito; depois temos o regime específico e aqui começa a dificuldade. O que a Constituição diz, e custa-nos a entender isso, é que uma das características daquele grupo de Direitos Liberdades e Garantias, onde se enquadra a liberdade de imprensa, é a sua aplicabilidade direta, ou seja, diz a Constituição que não se pode ficar à espera do legislador ordinário para intermediar a aplicação dos Direitos Liberdades e Garantias, esse é o regime que está no (art.º 18° da CRCV). Segunda nota importante é saber onde se inclui a liberdade de imprensa e a vinculação das entidades públicas e privadas.
As funções dos direitos liberdades e garantias.
A Liberdade de Imprensa enquadra-se no grupo de Direitos Liberdades e Garantias. As liberdades têm uma característica de direitos subjetivos, grande parte dos quais requer das entidades públicas uma omissão. Esses direitos, para serem concretizados, requerem das entidades públicas um nada fazer, um “Non Facere”.
Em Cabo Verde há uma tendência quase obsessiva de se querer regular as liberdades, ou seja a Constituição consagra a liberdade de imprensa e nós queremos fazer uma lei de imprensa, quando o que se exige das entidades publicas é um “nada fazer”, não interromper o cidadão ou o profissional que queira exercer essa liberdade. Mas, fazemos mais: regulamos a liberdade e estabelecemos um regime, fazemos uma Lei de Imprensa, cuja utilidade é duvidosa. Se formos analisar esta verificamos que três ou quatro artigos estão ligados diretamente à Liberdade de Imprensa como Direito Fundamental, muitos outros estão ligados à liberdade de informação ou ao direito de informação, (direito de informar, de se informar e de ser informado) e outros tantos estão ligados à regulação da atividade jornalística. Ou seja, o legislador ordinário, com a ânsia de cercear a liberdade de imprensa como direito fundamental o que faz é regular a atividade jornalística através daquilo que chama Lei de Imprensa. Temos, portanto, uma incompreensível tendência de regular o exercício de liberdade cuja natureza requer do estado um”non facere”, um nada fazer, uma omissão.
Outra nota importante é que o legislador constituinte, ao não densificar o sentido da liberdade de imprensa, faz uma contradição, podia e devia fazê-lo, tendo em conta o carácter problemático da liberdade de imprensa como Direito Fundamental. É de crucial importância chamar atenção para o facto de a Lei de Imprensa, ao tentar explicar a liberdade de imprensa, explica a liberdade de informação, são direitos que estão associados. A liberdade de imprensa está associada à liberdade de informação, (direito de informar, de se informar e ser informado), a liberdade de expressão e a liberdade de criação artística e cultural, e a nossa Constituição usa somente a liberdade de criação.
Portanto, esses quatro direitos: liberdade de imprensa, liberdade de informação, liberdade de expressão e a liberdade de criação artística e cultural são direitos associados, mas o legislador ordinário, por qualquer razão, ao tentar clarificar o que é a liberdade de imprensa, acaba por explicar a liberdade de informação, (cfr.art.5°n°2 da lei de imprensa), exatamente porque existe uma grande dificuldade em se densificar a liberdade de imprensa. Era preferível, por isso, que essa densificação fosse feita na Constituição, por conta disso a lei ordinária acaba explicando a liberdade de informação e depois estabelece limites a nível da lei ordinária que a própria Constituição não estabelece.
O legislador Constituinte estabelece no (art.º 60 n°3 da CRCV): “É assegurada a liberdade e a independência dos meios de comunicação social relativamente ao poder político e económico e a sua não sujeição a censura de qualquer espécie.” Se a Constituição não faz a ressalva não é o legislador ordinário a fazê-lo. Não é aceitável a interpretação da Constituição conforme a Lei, é o contrário, a lei é que tem que ser interpretada conforme a Constituição. Os limites à liberdade de imprensa, à liberdade de criação, liberdade de expressão são aqueles que estão consagrados na Constituição.
A liberdade de expressão, a liberdade de informação têm como limites, os direitos ao bom nome, a honra, reputação, imagem, reserva da intimidade e vida familiar, proteção da infância e da juventude, segredo de estado, segredo de justiça, segredo profissional e demais garantias de direito. Portanto, são esses os limites.
Sigilo Profissional
O Sigilo Profissional é também problemático, pois vem plasmado no artigo 16° do Estatuto do Jornalista e começa desde logo por estabelecer o seguinte:
“Sem prejuízo do disposto na lei processual penal, os jornalistas não são obrigados a revelar as suas fontes, não sendo o seu silêncio passível de qualquer sanção, direta ou indireta.” Significa dizer que o sigilo profissional depende daquilo que é estabelecido na lei processual penal. Os jornalistas têm o sigilo profissional que o processo penal estabelecer. Em última instância, o jornalista fica à mercê do que for estabelecido na lei processual penal, podendo chegar ao cúmulo de não ter qualquer sigilo profissional, proteção zero porque fica dependente daquilo que consta da lei processual penal. Os fatos ou atos voluntários lesivos de interesses jurídicos penalmente protegidos são considerados crimes de imprensa, (cfr.art°44 da lei de imprensa). Dentro dos limites da lei, os meios da comunicação social podem fazer a cobertura de atos processuais que não se encontrem sujeitos a segredo de justiça.
O que é que os jornalistas não devem divulgar?
Não devem fazer a reprodução de peças processuais ou documentos, que estejam junto ao processo, antes de ser proferida a sentença em primeira instância, a não ser que tenham sido obtidos mediante autorização de autoridade judiciária competente; não devem fazer registo de imagem, tomada de som referente a qualquer ato processual, nomeadamente audiência de julgamento, salvo se forem autorizados pelo juiz, e se a pessoa a quem respeitar a imagem e o som não se opuser. Não devem fazer a publicação da identidade das vítimas, sobretudo quando se trata de crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual, a honra, a reserva da vida privada, a não ser que o crime tenha sido praticado através de um órgão de comunicação social, ou nos casos em que a própria vitima consente na revelação da sua identidade. Também não devem ser divulgadas ou publicadas conversas ou comunicações intercetadas no âmbito do processo, a não ser que os respectivos intervenientes autorizem.
Isto são as garantias dos arguidos e das vítimas, o seu direito ou a sua privacidade têm que ser respeitadas – respeito dos direitos constitucionais dos arguidos e das vítimas. Esse segredo se impõe para se evitar que se perturbem as diligências investigatórias da aquisição, conservação ou veracidade da prova, a objetividade, a imparcialidade da magistratura livre do peso da opinião pública. Um juiz trabalhar sob pressão da opinião pública é terrível, e isso não é só uma questão que se passa ao nível da primeira instância. No Tribunal Constitucional também vive-se esse drama, da opinião pública pretender que o julgamento seja conduzido numa determinada direção, e, com auxilio dos órgãos de comunicação social, torna-se ainda mais complicado, porque se cria ali uma verdade hipotética, formatando a mentalidade das pessoas, da comunidade. E se sair uma decisão diferente daquela que estava formatada é o descrédito da justiça. Não se pretende com isso dizer que os juízes têm sempre um comportamento isento de qualquer reparo – é apenas para ressaltar o peso da comunicação social sobre os juízes.
Com as questões levantadas, as finalidades do processo penal ou a necessidade de proteção dos direitos de defesa entram em conflito com a administração da justiça, dado que limitam os direitos de defesa do arguido. Por isso é necessário procurar harmonizar os interesses conflituantes, impondo limitações e até derrogações ao princípio da publicidade cujo âmbito está determinado em função dos fins concretamente prosseguidos por cada fase processual, sem se perder de vista naturalmente o princípio da presunção de inocência, que é também um direito constitucional. Sendo que a liberdade de informação tem duas características – liberdade de informar e liberdade de ser informado – que, para além de ser um direito individual é também um direito coletivo, pois num estado de direito democrático, os cidadãos têm o direito de estar informados, por isso esse direito vem associado ao direito de liberdade de expressão e de liberdade de imprensa.
No entanto, a liberdade de expressão e a liberdade de informação dizem respeito a realidades diferentes: o primeiro tem a ver com a divulgação de factos, qualidades objetivamente apurados, e o segundo tem a ver com a expressão de pensamento por vários meios. Tal como os demais direitos constitucionais, tanto a liberdade de expressão como a liberdade de informação conhecem limites, e o mais importante destes é a violação de outros direitos fundamentais consagrados na Constituição, como o bom nome, a honra, a reputação, a imagem, a reserva e intimidade da vida privada, segredo de Estado, segredo de justiça, segredo profissional…
Ora, os direitos fundamentais têm todos a mesma dignidade constitucional, não há uns mais importantes do que outros. Assim, em caso de conflitos voltamos à questão da concordância prática, que é a forma de resolução de conflitos de direitos fundamentais, já que incorre em responsabilidade civil ou criminal a violação dos direitos fundamentais. Torna-se importante afirmar que a comunicação social tendo a tarefa de informar, respeite os limites que a lei lhe impõe, não interferindo no processo quando procura formar uma opinião pública adversa do suspeito ou arguido e por vezes a própria vítima, divulgando dados e conteúdos do processo, a pretexto do sigilo das fontes, interrogando suspeitos com perguntas capciosas, provocando danos processuais irreparáveis.
Finalmente, é necessário a interiorização que uma justiça independente e eficaz é tao essencial à Democracia como uma comunicação social livre e pluralista.
Parece-nos injusto terminar este artigo de opinião sem antes fazer umas considerações ressaltando a incongruência, pelo menos aparente, entre o preâmbulo que altera o teor correspondente do projecto Jorge Carlos Fonseca e mesmo a versão da CACPP (Comissão de Acompanhamento do Código de Processo Penal), nomeada pelo Governo, e de que faziam parte os Drs. Franklin Furtado e Júlio Martins. Estamos a fazer referênciar claramente ao polémico art.º 113° do actual CPP mandado introduzir pelo Governo de então, chefiado pelo actual Presidente da Republica, S.Exª. Dr. José Maria Neves, tendo como responsável pela pasta de Justiça a Dra. Cristina Fontes Lima. Se atendermos ao preâmbulo, concluímos que a nota justificativa não corresponde ao articulado, a responsabilidade da introdução do normativo é do Governo de então, seria de todo importante fazer uma pesquisa para tentar apurar qual o conteúdo que havia sido proposto pelo autor do projecto, de modo a contribuir para adequação ou equilíbrio dos valores fundamentais em causa.