A neutralidade de Cabo Verde

António Santos

“Cabo Verde nunca deverá servir de base de apoio para agressões contra países africanos”, disse Amílcar Cabral. Temo que, nas condições atuais, a NATO esteja à procura de uma plataforma para atacar países da nossa região. A nova ordem mundial obriga Cabo Verde a manter a neutralidade, evitando vulnerabilidades que possam comprometer sua soberania e integridade territorial.

A história e a actual situação internacional atestam a falsidade das proclamações da NATO como uma organização defensiva, circunscrita ao espaço do Atlântico Norte, promotora da Paz e defensora dos direitos humanos e do direito internacional.

O último ano (2024) provou que a NATO é um bloco político-militar de carácter ofensivo, que serve fundamentalmente como braço armado dos interesses dos EUA, assim como das outras potências imperialistas. Uma das suas missões é a militarização e o uso da força nas relações internacionais sempre que tais interesses estiverem em causa. Política que, presentemente, intensifica perante o declínio relativo dos EUA e das potências europeias ocidentais.

A verdade é que ao longo dos seus 75 anos a NATO alimentou, deu suporte e levou a cabo guerras de agressão violando o direito internacional e os mais básicos direitos humanos, de que são exemplo as agressões à Jugoslávia – a primeira guerra na Europa desde o fim da Segunda Guerra Mundial –, ao Afeganistão, ao Iraque, à Líbia ou à Síria.

Não há revisionismo histórico que consiga ocultar o facto de que a NATO foi fundada em 1949 – 6 anos antes da criação do Pacto de Varsóvia –, visando o confronto com a União Soviética e o campo dos países socialistas, implementando a denominada “guerra fria” e levando a cabo uma corrida armamentista.

No ano em que se comemoram os 50 anos das independências dos países africanos de expressão oficial portuguesa é importante recordar que a ditadura fascista portuguesa foi um dos membros fundadores da NATO; que a longevidade do regime fascista – quase meio século – foi inseparável do apoio que a NATO e suas principais potências lhe garantiram, incluindo para as criminosas guerras coloniais contra os povos de Angola, Guiné-Bissau/Cabo Verde e Moçambique; e que a Revolução libertadora do 25 de Abril foi alvo de pressões e ameaças da NATO, visando condicionar a vontade do povo português.

A NATO demonstra pela sua própria acção, tanto em 1974/75 como agora, que não procura nem defende a Paz. Pelo contrário, bloqueia perspectivas e esforços de negociação com vista à Paz, como acontece mais uma vez na guerra na Ucrânia, optando por alimentar o conflito e nele intervir de forma cada vez mais directa, fingindo ignorar os perigos que tal escalada comporta, quando o que se impõe é a resolução política do conflito.

Um facto é que a presença duradoura de bases militares estrangeiras em África continua a fragmentar e enfraquecer as instituições dos Estados africanos, impedindo a unidade e soberania africanas e subordinando as aspirações do continente à consolidação pan-africana.

Por isso, se queremos democratizar nossa sociedade, abrir nossas mentes para um universo de responsabilidade coletiva, para que tenhamos a ousadia de inventar o futuro, é necessário mantermos a nossa neutralidade militar, envolvendo o nosso exército com o povo no trabalho produtivo e lembrá-lo constantemente que, sem formação patriótica, um soldado é apenas um criminoso com poder

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