A educação em transformação: a era da Inteligência Artificial (IA)

“O ideal da educação não é aprender o máximo, mas sim aprender a aprender, aprender a desenvolver-se, a continuar a desenvolver-se depois da escola” – Jean Piaget

Arlindo Nascimento Rocha

Na era da transformação digital, a recente popularização e o uso da Inteligência Artificial (IA) vem revolucionando a nossa relação com o mundo. Na educação a IA tem forte potencial para a reconfiguração progressiva do binómio “ensino-aprendizagem”, abalando os alicerces dos modelos tradicionais que, durante séculos, privilegiaram a transmissão vertical do conhecimento, com o professor
como figura central e o aluno reduzido a receptor passivo.

Esse paradigma encontra-se em crise perante as exigências de um mundo cada vez mais tecnológico, complexo e interconectado. Diante desse cenário, surgem duas questões fundamentais: (1) o que ensinar para que os alunos sejam capazes de agir e aprender de forma autónoma? (2) como criar condições que favoreçam o desenvolvimento da autonomia dos alunos para enfrentarem os desafios do mundo digital?

Não há respostas universais ou consensos fáceis. Cada contexto educativo exige análises críticas e respostas específicas, sempre enraizadas na realidade concreta. A tradição construtivista do psicólogo suíço, Jean Piaget, retomada e ampliada pelo educador estadunidense, Seymour Papert, inspira caminhos possíveis. Papert, ao propor o construcionismo, defendeu ambientes de aprendizagem nos quais os
alunos pudessem explorar, criar e aprender pela experiência, valorizando a produção de artefatos concretos (digitais ou físicos) como forma de construir conhecimento.

Segundo Alcione Marques e Gustavo Estanislau, autores da obra Dilemas na Educação, a autoridade dos professores, que antes lhes era dada automaticamente e garantia uma posição hierárquica superior, já não se impõe da mesma forma. Isso acontece por causa das mudanças tecnológicas e sociais, que têm promovido relações mais horizontais. O papel do professor, portanto, deixou de ser o de depositário de conteúdos e passa a ser o de mediador, ou seja, de alguém que apoia, orienta e instiga a curiosidade dos alunos.

Essa abordagem dialoga com as ideias do educador e filósofo brasileiro, Paulo Freire, para quem ensinar não é transferir saberes, mas criar condições para a construção coletiva do conhecimento. A aula, neste sentido, não é algo que se “dá”, como é afirmado pelo senso comum, mas algo que se “faz” em conjunto, mediada por diferentes atores e, eventualmente, pela tecnologia.

Essa visão humanizada da educação encontra respaldo no professor catedrático português, António Nóvoa e no professor brasileiro, José Moran, especialista em projetos educacionais, com ênfase em metodologias ativas, modelos híbridos e tecnologias digitais, que insistem que a docência do futuro requer mais do que competências técnicas: exige capacidade de problematizar aprendizagens, orientar
percursos e ajudar os alunos a lidar com a diversidade de informações, com curiosidade, responsabilidade e criticidade.

Contudo, a fragmentação disciplinar herdada da Revolução Industrial continua a marcar fortemente os currículos escolares no mundo inteiro. Esse modelo reducionista, como adverte o sociólogo e filósofo francês, Edgar Morin, empobrece a criatividade, o pensamento crítico e a capacidade de articulação, incapacitando os alunos para enfrentar problemas globais, multidimensionais e interdisciplinares.

Nesse sentido, a aprendizagem tem, ou deveria ter, entre os seus principais objetivos a construção do conhecimento e o desenvolvimento de capacidades e competências que permitam aos alunos realizar os seus potenciais e atuar no mundo adulto e na sociedade enquanto cidadãos. Daí a urgência em repensar práticas pedagógicas, integrando saberes e adotando metodologias que devolvam ao processo educativo a sua dimensão emancipadora e transformadora.

Os alunos que participam ativamente compreendem melhor os propósitos da aprendizagem e os seus desafios, tendendo a envolver-se cada vez mais. Por isso, é fundamental proporcionar oportunidades para que desenvolvam maior consciência acerca dos seus direitos, deveres, consequências e responsabilidades, bem como do entendimento de si mesmos enquanto parte de uma coletividade.

Como professor do Ensino Básico Integrado (EBI), entre 2009 e 2012, tive a oportunidade de participar, como pré-experimentador, no projeto do Ministério da Educação de Cabo Verde que visava implementar a metodologia conhecida como Abordagem por Competências (APC). O objetivo era desenvolver estratégias que capacitassem os alunos a aprender por meio da resolução de problemas simples e
complexos, favorecendo uma aprendizagem mais ativa e significativa. Durante três anos estive envolvido nessa experiência, mas, por motivos pessoais, não consegui dar continuidade.

Naquele momento, a APC representava um grande desafio para Cabo Verde, tanto para professores quanto para alunos. Apesar da dedicação dos formadores e do empenho dos professores, a implementação careceu de maturidade institucional, de políticas consistentes e de formação continuada, o que acabou por comprometer o seu êxito. Ainda assim, essa experiência evidenciou que caminhos
alternativos são possíveis e desejáveis, sobretudo em sociedades plurais e em constante transformação, revelando a necessidade de inovação pedagógica e de fortalecimento das condições estruturais para que mudanças dessa natureza possam prosperar.

É nesse horizonte que a IA emerge como recurso poderoso. Ela pode democratizar o acesso ao conhecimento, romper barreiras socioeconómicas e geográficas, personalizar aprendizagens de acordo com o ritmo individual de cada aluno, fornecer feedback imediato e sugerir percursos diferenciados. O seu uso correto na educação, fomentará ainda mais a autonomia dos alunos ao permitir que estes assumam maior controlo sobre o quê, como e quando aprende, fortalecendo sua confiança e capacidade de superação de obstáculos.

Entretanto, é preciso cautela, pois a IA não deve ser entendida como um “oráculo” ou a “bala de prata” para resolver os problemas educacionais, sobretudo em contextos frágeis, como é o caso de Cabo Verde. Os conteúdos que gera não constituem “verdades absolutas”, mas informações que exigem análise crítica,
constante revisão e, em muitos casos, refutação. Nese sentido, torna-se importante que os professores ofereçam estruturas que permitam ao aluno compreender claramente o que se espera dele em determinada atividade, dando contorno à sua experiência de aprendizagem e garantindo que os objetivos sejam atingidos.

Nos estágios mais avançados, quando utilizada de forma irresponsável, a IA pode comprometer a ética digital e a integridade académica, como alertam Almeida e Tedesco, especialmente no âmbito da IA generativa, que levanta riscos de plágio, de autoria questionável e de dependência acrítica. Daí a necessidade de professores devidamente preparados para mediar o uso responsável dessas tecnologias, assegurando que sejam integradas de forma ética, criativa e intencional, em consonância com os objetivos pedagógicos e com a formação integral dos alunos.

Nessa perspetiva, a autonomia dos alunos não se limita ao domínio de ferramentas digitais, mas envolve também dimensões relacionais, emocionais e sociais, como autoestima, empatia, colaboração, capacidade de agir e de aprender a aprender. A aprendizagem, afinal, não é um processo solitário: ninguém educa ninguém sozinho, educamo-nos uns aos outros em comunhão, como dizia Freire. A IA deve ser vista, assim, como recurso complementar, ampliador de possibilidades, mas nunca como substituto da mediação humana, pois a autonomia não pode ser confundida com negligência e falta de cuidado. A docência, portanto, deve ser compreendida como uma prática reflexiva e em constante reinvenção.

Como defende Mario Sérgio Cortella, exige-se dos professores a ‘humildade pedagógica’: reconhecer que não sabem tudo, permanecer abertos ao diálogo e assumir-se como aprendentes permanentes. Um
professor que aprende continuamente inspira os seus alunos a também aprenderem, criando condições para a construção da autonomia.

No entanto, uma parte significativa dos docentes ainda não se encontra suficientemente preparada e motivada para criar oportunidades que permitam aos alunos fazer escolhas significativas durante as aulas. Muitos sentem-se inseguros, temendo perder o controlo da sala ou mesmo do processo de aprendizagem, conforme assinalam Marques e Alcione.

Em síntese, a integração da IA nas práticas pedagógicas representa uma oportunidade histórica para fomentar a autonomia dos estudantes, desenvolver o pensamento crítico, fortalecer a aprendizagem ativa e promover a inclusão social. Mas isso só será possível se a tecnologia for incorporada de maneira crítica,
humanizada e articulada a um projeto educativo mais amplo, que una tradição inovação, técnica e humanidade, autonomia e solidariedade.

O futuro da educação dependerá menos da sofisticação das máquinas e mais da capacidade dos professores de cultivar cidadãos criativos, críticos e solidários, capazes de aprender a aprender e a viver com dignidade num mundo em permanente transformação.

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