A crise estrutural, institucional e moral do Carnaval de S. Vicente

Sónia Jesus

O Carnaval de São Vicente enfrenta hoje uma CRISE que não é financeira nem logística – é estrutural, institucional e moral. Dos seis grupos oficiais, quatro anunciaram que não vão desfilar em 2026. O Cruzeiros do Norte confirmou presença, Flores do Mindelo está por decidir, e a Ligoc-SV, criada para ser a voz coletiva do Carnaval, permanece em silêncio.

Quando quem deveria liderar se cala, significa que não há liderança, direção reconhecida, deliberação, nem propósito comum. Neste cenário, qualquer pedido de melhoria perde legitimidade e eficácia.

Como exigir força externa sem antes exercer responsabilidade interna? Como exigir respeito da Câmara Municipal se os grupos não respeitam a estrutura que criaram para se representar e violam suas próprias regras?

Os grupos precisam assumir a verdade: a Ligoc-SV necessita de reconstrução institucional. É hora de comprometer-se com um pacto de renovação responsável, restabelecer uma direção legítima e retomar um propósito comum. Caso contrário, o Carnaval perderá credibilidade e força, deixando de ser o maior produto económico e turístico estruturado da ilha de S. Vicente, tornando-se apenas um desfile amador e brincadeira popular.

A responsabilidade também é da Câmara Municipal de São Vicente (CMSV) que falha ao não garantir planeamento prévio, comunicação clara, transparência, libertação atempada de apoios financeiros e reuniões estratégicas com os grupos. É preocupante o Presidente da CMSV afirmar que “os grupos só começam a trabalhar três meses antes do Carnaval”. Isto revela desconhecimento profundo das necessidades e desafios dos grupos, ignorando a dimensão social, económica e cultural do Carnaval.

Milhões investidos em intercâmbios, formações e viagens de dirigentes dos grupos, da LIGOC-SV e do próprio Presidente da CMSV ao Brasil, para transformar o Carnaval de São Vicente em um produto turístico estruturado e sustentável. E agora, é este o legado que querem mostrar? É assim que justificam o uso do dinheiro público?

E como pode o povo exigir responsabilidade se ignora a verdadeira importância do Carnaval, repete frases simplistas como “Carnaval é só festa” ou “Carnaval existe mesmo sem desfiles oficiais”? O Carnaval não é apenas uma festa: é identidade, cultura, desenvolvimento económico e social. Gera emprego e sustento para artistas, músicos, costureiras, carpinteiros, operadores turísticos e pequenos comerciantes. Suspender este ciclo é cortar rendimentos, desmotivar comunidades e transmitir uma mensagem de paragem e desânimo.

O desafio não é escolher entre reconstrução e Carnaval. O Carnaval pode e deve ser parte da reconstrução da ilha. Realizá-lo nestas circunstâncias transforma dor em força e mantém São Vicente viva, orgulhosa e unida.

Sim, é justo reivindicar estaleiros melhores e maior apoio financeiro. Mas, exigir tudo para 2026, sabendo que algumas medidas não serão possíveis após a tempestade de 11 de agosto, não ajuda. Isto não invalida as reivindicações, mas reforça o dever coletivo de buscar soluções criativas, equilibradas e solidárias, permitindo a realização dos desfiles oficiais em condições dignas, sem comprometer a recuperação da ilha nem a proteção das famílias afetadas.

O futuro do Carnaval Mindelense depende de liderança legítima, transparência, responsabilidade e união urgente entre Grupos, Ligoc-SV, CMSV, Governo, instituições públicas e privadas e povo. Só assim será possível restaurar o valor do nosso património cultural e manter o Carnaval como expressão máxima da criatividade, resiliência e orgulho mindelense.

Que fique claro: não sou do PAICV, do MPD ou de qualquer outro partido. Sou uma voz consciente, independente, aqui para inspirar reflexão e ação antes que escrevamos o capítulo mais triste da nossa história cultural e social.

Ainda há tempo de agir com coragem, união e verdade, mantendo-nos firmes como o Monte Cara diante do vento. Que os grupos e todos que constroem o Carnaval Mindelense tenham orgulho do patamar que alcançaram e que o amor por São Vicente ecoe mais alto do que o barulho de qualquer tambor.

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