80 anos da aterragem do primeiro avião no Sal

Por Ildo Rocha Fortes

Cabo Verde celebra hoje, 15 de Agosto, 80 anos da aterragem do primeiro avião na Ilha do Sal. A 15 de Agosto de 1939, um Savoia Marchetti SM83, pilotado pelos comandantes Carlo Tonini e António Moscatelli, aterrou pela primeira vez em solo cabo-verdiano, mais precisamente entre Feijoal e Parda, na Ilha do Sal, no terreno previamente delimitado pelo francês Jean Arcaute.

A ilha do Sal, na altura terra árida, paisagem desoladora, fora escolhida para instalar o futuro aeroporto por causa das condições logísticas que a então companhia de exportação do sal Salins du Cap Vert, fundada em 1919 e com sede em Bordéus, oferecia para o desembarque de materiais. Na verdade, Boa Vista e Maio, ilhas planas, tinham maior riqueza a nível de biodiversidade.

A ilha do Sal tem muitas curiosidades: foi descoberta pelo italiano António de Nola em 1460, ao serviço da monarquia portuguesa. Nos finais do século XIX (19), Manuel António Martins, o povoador da ilha, descobre as salinas de Pedra de Lume no interior de um vulcão extinto. A fim de promover o escoamento do sal, Manuel António Martins mandou construir um túnel perfurando o monte de um lado ao outro (1804/1808), que sucessivamente deu origem a várias empresa de exportação do sal entre, elas a Salins du Cap Vert.

A edificação do aeroporto nos tempos de Mussolini, que era para servir a ligação entre Roma e América do Sul, apenas funcionaria até a entrada da Itália na II Guerra, em Maio de 1940, portanto só durante três ou quatro meses.

Depois disso, o aeroporto ficou imobilizado por todo o tempo que durou o conflito, findo o qual o governo português comprou a instalação ao governo italiano, introduziu-lhe melhoramentos consideráveis, como a construção de uma pista asfaltada de 2200 metros, e procedeu à inauguração do realmente novo aeroporto no dia 15 de Maio de 1949, tendo como primeiro e principal cliente precisamente a linha italiana Alitalia.

Visando uma linha Roma-América do Sul, chegou a Pedra de Lume, a 13 de Agosto de 1939, um barco com materiais e estruturas necessárias a fim de dar início às obras de construção do aeroporto: oficinas, central elétrica, um posto de rádio, camiões… e também dirigentes, técnicos e operários que em menos de meia dúzia de meses montaram as edificações pre-fabricadas, prepararam uma pista, ainda que de terra batida, e instalaram diversos serviços: dois hangares para os aviões, oficina, rádio, meteorologia, armazéns, escritórios, hotel, locais de habitação, hospital — tudo isso numa planura na qual seis meses antes nem sequer havia um caminho de cabra.

A 7 de Outubro de 1939, escreve Mário Paixão, investigador da história do Sal e da aviação civil, o avião SM83, pilotado pelos comandantes António Moscatelli e Rapp, fez um voo de teste na pista do Lajedo de Espargos, ainda em construção, seguindo-se um outro voo a 13 de Novembro de 1939, desta vez com Bruno Mussolini (filho) ao comando de um SM83, para uma segunda visita ao Sal.

 A efeméride ao longo dos anos, tem sido recordada sem pompas e circunstâncias. Porém, os mais atentos sempre lembraram o acontecimento inédito que mudou por completo o percurso histórico de Cabo Verde, e particularmente a ilha do Sal e sua gente.

A entrada de Cabo Verde na história da aviação civil começa a 5 de Abril de 1922, quando Gago Coutinho e Sacadura Cabral partiram rumo à Ilha de São Vicente, cobrindo 850 milhas, tendo amarado na baía do Porto Grande, depois da saída de Portugal a 30 de Março com passagem por Gran Canárias.

A 6 de Abril de 1922, a Câmara Municipal de S. Vicente reuniu em sessão solene para, em nome do povo, homenagear estes aeronautas que, a bordo do hidroavião Lusitânia, estavam na ilha em trânsito para o Brasil na primeira travessia aérea transcontinental. Praia de Santiago foi outro ponto de passagem da Lusitânia, de onde descolou com destino a Penedos a 17 de Abril.

Três anos depois um outro hidroavião pertencente a um industrial de São Paulo e conduzido por uma tripulação brasileira, em viagem da Europa para o Brasil, fez de novo escala em Cabo Verde, desta vez em Santiago. No mesmo ano um outro hidroavião, alemão e do tipo gigante, fez escala na Praia.

A empresa Aéropostale foi a primeira companhia de navegação aérea que se instalou em 1926/27 em Cabo Verde; os aviões dessa companhia já faziam a linha Tolouse-Casablanca-Dakar pelo que agora ela pretendia efectuar, com hidroaviões, a ligação postal Dakar-Brasil.

Por mais incrível que pareça não entendemos porque muitas datas simbólicas que marcaram a história da ilha do Sal, ou de Cabo Verde, não são comemorados com a vivacidade que mereciam. Para o nosso consolo ao que parece a iniciativa da sociedade civil, poderá servir de rampa de lançamento, na preservação e divulgação da nossa memória coletiva.

Felizmente, em 2019 um grupo de salenses, liderado por Júlio Reendal, um dos estudiosos da nossa memória colectiva, resolveu dar vida as comemorações dos 80 anos da aterragem do primeiro avião com uma conferência para recordar a chegada avião SM 83 procedente da Itália, dia de Nossa Senhora de Piedade, curiosamente padroeira da aldeia de Pedra de Lume, berço da identidade salense.  Pelo painel de convidados entre eles Mário Paixão Lopes, investigador sobre a história do Sal, antigo Deputado e PCA da ASA e Ildo Rocha, escritor salense e antigo vereador da cultura na Câmara Municipal do Sal, advinham –se bons momentos de partilha e convívio à volta da história do nosso passado comum, com um ingrediente importante : a música.

Este ano de 2019, a empresa de Aeroportos e Segurança Aérea (ASA) entidade gestora dos aeroportos de Cabo Verde, constituiu, segundo informações oficiosas, uma comissão para organizar as comemorações dos 80 anos do aeroporto do Sal que aconteceu a 15 de Dezembro de 1939.

Esta iniciativa colmata um certo vazio no que concerne ao pouco que tem sido feito para ajudar a preservar a memória colectiva e sedimentar os nossos hábitos, costumes, tradições, segmentos basilares do nosso património cultural.

A ligação entre Cabo Verde e Portugal, é uma história de vontades e paixões, como escrevera os protagonistas da história da aviação: primeiro a descoberta por António de Nola, depois a aterragem do primeiro avião comandados por Carlo Tonini e António Moscatelli, e depois grandes investimentos no sector do turismo protagonizados por Andreia Stefanina, empresário que contribuiu e muito para massificação de turismo de Itália para Cabo Verde.

Emigração para Itália

A emigração cabo-verdiana para a Itália é antiga e pioneira em relação aos fluxos migratórios para a Europa. Inicia-se nos anos 60, quando a Itália deixa de exportar mão-de-obra e se integra no sistema internacional de troca de trabalho.

A procura por parte do mercado italiano de emprego de trabalhadoras para o serviço doméstico constituiu o principal facilitador desta migração.

 É a mulher que desenvolve aqui um papel preponderante, visto a oferta de trabalho ser para o desempenho de funções tradicionalmente femininas, o que contraria as lógicas tradicionais de emigração, onde eram os homens que deixavam a terra para procurar a vida noutras paragens.

Segundo Pedro Gois, esta particularidade constitui um dos pontos distintivos que caracterizam a emigração para a Itália; há ainda mais duas particularidades neste processo: as mulheres que iniciaram esta rota migratória detinham uma origem geográfica semelhante – S. Nicolau e Sal e foram trabalhar como empregadas domésticas. Curioso perceber que é este o trabalho que ainda hoje emprega grande parte das mulheres emigrantes na Europa.

Esta cadeia migratória que entronca num fenómeno comum, advém de dois elos iniciais. O primeiro foi estabelecido pela Igreja Católica, através dos Frades Capuchinhos em S. Nicolau. O segundo emergiu na ilha do Sal a partir dos de pilotos italianos e quadros de empresas italianas que ali estavam a construir o aeroporto do Sal que recrutavam mulheres para irem servir como empregadas domésticas internas nas suas casas em Itália.

Alguns tripulantes que se foram instalando no Sal encetaram relações com mulheres ca que cabo-verdianas, que foram posteriormente para Itália com os filhos, constituindo também um segmento dessa emigração pioneira para Roma, Milão e Bergamo.

As jovens que iniciaram esta migração para Itália permaneciam aí alguns anos, e depois ou voltavam para Cabo Verde ou iam para outros países europeus seguindo companheiros ou outros familiares; entretanto iam chegando outras jovens, mantendo um fluxo regular e jovem.

Nos anos 70 e 80 homem homens emigrados na Holanda, França e Suíça iam visitar as suas namoradas em Itália e aí se vão também fixando. Nesses tempos, quando as mulheres regressavam de férias á terra Natal, os homens apaixonados, faziam romaria ao aeroporto para receber as “italianas” que chagavam ao Sal. Que belos tempos.

No ano em que celebramos os 80 anos da aviação civil, a Ilha Sal, volta está no Centro de aviação internacional, com a instalação do hub aéreo, potenciando ainda mais o sector do turismo, com capacidade para mais de 12 mil camas. Por essas e outras razões há grandes desafios a vencer, nomeadamente a nível de habitação, requalificação urbana, saneamento, saúde, educação, além de segurança e emprego para jovens cada vez mais exigentes. 

Bibliografia:

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