Jovem advogada descontente com actuação da PN: “Passei seis dias a tentar apresentar uma queixa, sem sucesso. Foi machismo”, afirmou

A jovem advogada Eurídice Tatiana Silva Lopes procurou o Mindelinsite para denunciar a forma como diz ter sido tratada pela Polícia Nacional . Afirma que tentou apresentar uma queixa durante cerca de uma semana, sem sucesso, apenas por desconhecer o nome completo do indivíduo que abusou do seu cão e depois proferiu ameaças contra ela e o filho. Segundo Eurídice Lopes, o agente da PN chegou ao cúmulo de pedir-lhe para entregar a notificação ao acusado. “Foi humilhante. Foi um acto de machismo social”, acusa. A Comandante Regional da PN nega categoricamente qualquer tentativa de humilhação ou machismo e garante que foram feitas diligências para notificar o indivíduo. 

 De acordo com Eurídice Lopes, a intenção era apresentar uma queixa por maus-tratos a animais e de ameaça à integridade física. O acusado, afirma, é uma pessoa conhecida, que reside na mesma localidade, Quilometro Seis, em São Vicente. “O acusado é uma pessoa do meu conhecimento. Sei apenas o seu primeiro nome, mas sei onde mora e conheço os seus familiares. De segunda a quinta-feira, estive na esquadra para apresentar a queixa. Revoltada, na sexta-feira, pedi por duas vezes para falar com a Comandante. Na primeira vez fui informada que ela estava em reunião e, na segunda, que ela não estava e não tinha hora para regressar. Foi então que decidi escrever-lhe uma carta, relatando todos os factos, sobretudo a forma como fui tratada pelo agente, que me questionou se eu tinha um companheiro, se na rua onde moro existe algum responsável ou se o acusado é que manda ”, conta a entrevistada, que classificou esta atitude do agente de “machismo social”. 

A carta, prossegue, deu entrada na manhã de sexta-feira e, no mesmo dia, foi contactada pela Comandante, que voltou a questionar-lhe se sabia o nome completo do acusado. “Disse-lhe que não fixei o apelido, apenas o primeiro nome, mas era meu conhecido e sabia onde morava. A Comandante prometeu averiguar o comportamento do agente e voltar a ligar, o que não aconteceu até agora. Mas ela disse algo que considero inadmissível. Disse que os agentes têm ordem para não receber queixas de pessoas que desconhecem o nome completo do acusado. Para mim fica claro que não posso proteger a minha cabeça e nem a do meu filho”. E isso, pontua, depois da PN ter-se deslocado a KM6 anteriormente, por causa das ameaças ao filho e a si, feitas pela pessoa que abusou do cão de família.

Factos

Eurídice conta que o indivíduo, um jovem de 19 anos, encontrou um cão deitado à porta da sua casa e despejou-lhe gasolina no rabo. O filho de onze anos, que viu, confrontou o jovem, que ameaçou espetar-lhe uma faca no rosto. Ao ouvir a ameaça, esta veio para a rua brigar com o agressor, que apanhou duas pedras e a ameaçou de morte. “Foi então que chamei a polícia. Contei o sucedido e fui aconselhada a apresentar uma queixa por maus-tratos a animais, que dá pena de prisão. Era num fim-de-semana e esperei a segunda-feira para ir apresentar a queixa. Mas o agente negou determinantemente a fazer o registo, alegando que eu tinha de saber o nome completo do acusado”, informa.

Inconformada e frustrada, Eurídice Lopes conta que insistiu, dizendo saber o primeiro nome, Ricardo, onde mora e conhecer os familiares. Relatou ainda que o mesmo costuma provocar distúrbios na zona e, porque o filho foi ameaçado e fica sozinho, estava com medo. “O agente entregou-me uma notificação para entregar ao acusado. Até então não me tinha identificado como advogada, apenas como uma cidadã. Pensaram que eu fosse um zé-ninguém. Todos têm direito de serem protegidos, defendidos e respeitados. Sarcástica, perguntei-lhe se iria entregar a notificação pessoalmente. Foi então que ele me disse para procurar uma pessoa responsável para fazer isso”.

A jovem advogada conta que foi à casa do individuo e foi recebido por um idoso, que recebeu e entregou a notificação a Ricardo. No dia seguinte, ficou acordado que deveria comparecer na esquadra às 11 horas. Encontrou outro agente porque o do dia anterior se encontrava de folga. Identificou-se então como advogada e exibiu a carteira da Ordem dos Advogados. Explicou o sucedido e, afirma, o agente se disponibilizou a registar a queixa. Mas recebeu um telefonema da Esquadra de Monte Sossego, informando-o que Ricardo se apresentou.

Convidaram-na a apresentar, junto com o acusado, no dia seguinte. Desta vez Ricardo não apareceu e ficou a saber que, a final, o Ricardo sequer foi identificado. “O agente fez então uma nova notificação e entregou aos colegas numa viatura da PN para entregarem ao acusado. Eu deveria acompanha-los para mostrar-lhes onde o acusado mora, com a garantia de que deveríamos regressar na sexta-feira, às 16h, para sermos ouvidos.”

Como estava de carro, pediu aos agentes para a seguirem. “O agente voltou com desdenho e disse: então a senhora está de carro. Foi então que percebi que se tratava de um problema de machismo. Saí, entrei no meu carro, e os agentes me seguiram na viatura da PN. Mostrei-lhes onde mora o Ricardo e os agentes entregaram a notificação ao mesmo idoso que me tinha recebido no primeiro dia. Este alegou que Ricardo não se encontrava em casa, mas um jovem que estava por perto nos informou que este poderia estar em casa dos familiares. Acompanhei novamente os agentes, mas lá a avó do Ricardo questionou os agentes sobre o motivo de o estarem a procurar e estes limitaram-se a dizer que desconheciam os motivos. Fui eu que tive de explicar, uma vez mais, tudo o que tinha passado.”

Entretanto, diz Eurídice, recebeu um telefonema do agente da PN convidando-lhe para se deslocar à esquadra para apresentar a queixa, mesmo sem saber o nome do acusado, conforme pretendia desde segunda-feira. “Senti-me humilhada e desrespeitada. Por isso, optei por não ir e tomar outras medidas. Escrevi uma carta à Comandante, que me abordou no mesmo dia para se inteirar do caso, e prometeu retornar a ligação, o que até hoje não aconteceu. Como cidadã, entendo que não posso deixar tudo isso passar em branco. E, como advogado, sou pela defesa da lei e da justiça. Não consegui defender a minha cabeça e nem a do meu filho. Estou profundamente descontente com a actuação da policia .” 

Reação da PN

Confrontada, a Comandante Regional da PN confirma que Eurídice se apresentou na segunda-feira, 22, para fazer uma denúncia contra um individuo por maus-tratos a um animal. De facto, o agente entregou a notificação ao acusador, sendo que a recomendação é para não o fazer. “Pelo que me foi passado, o agente perguntou a esta senhora se ela podia levar a notificação e ela aceitou. Mas ela foi advertida a não ir entregar a notificação pessoalmente. Deveria entregar o mesmo a uma pessoa responsável para o ir fazer. Até aqui não vejo nada de mal”, declara Firmina Melício.

Esta informa ainda que o acusado, ao invés de se deslocar à Esquadra do Mindelo, foi para a de Monte Sossego. De lá, entraram em contacto com a sede e foi convidado a se deslocar no dia seguinte à Esquadra do Mindelo. “De facto, não chegou a ser identificado porque partiram do principio que ele iria comparecer onde era preciso. Não havia qualquer suspeita de que poderia não comparecer. O agente que estava à frente do processo decidiu notificar as partes para comparecerem noutro dia que estivesse de serviço. Deu uma margem para a PN poder notificar o acusado. “

Entretanto, prossegue Melício, quando a PN foi procurar o individuo, o avô informou que este não mora naquela residência, aparece esporadicamente. Foram encaminhados para a casa de um familiar em Lameirão. “Nesta altura, a policia poderia ter registado a queixa, mas entendeu que não era algo tão gravoso. Optou por tentar evitar pequenos conflitos entre as partes. Queria que ele comparecesse na esquadra para ter uma conversa com o acusado. Informar-lhes que tinha uma denúncia contra ele por conta do seu comportamento para com a senhora e que a queixa iria seguir para o tribunal e alerta-lo para não continuar com o mesmo comportamento, sob pena de ser detido e presente às autoridades.”

Confrontado com as ameaças aos queixosos, com recurso a armas brancas – faca e pedras -, Firmina Melício disse desconhecer tais factos. “Relataram-me apenas que as partes entraram em desacordo e a mulher decidiu apresentar uma queixa. Mas, mesmo que seja, a PN estava a tentar chegar à pessoa. Seria mais fácil para a PN apenas registar a queixa. Mas o nosso objectivo, para além de encaminhar a denúncia para o MP, era conversar para advertir a pessoa sobre o seu comportamento. É este o papel da policia, de persuasão”.

Melício admitiu que, de facto, esta tentou durante cinco dias apresentar uma queixa, uma demora que justifica com as tentativas para se identificar o acusado, inclusive que um agente que trabalha no Centro de Comando se encontrava de folga e se disponibilizou a ajudar no processo. 

Foi nesta altura, e face a impossibilidade de identificar o acusado, que o agente voltou a telefonar a queixosa, convidando-a a se deslocar à esquadra para registar a denúncia. Só que, desta feita, a mulher optou por não aparecer. Foi nesta altura que escreveu à Comandante Regional.

De facto recebi a carta e fiquei de voltar a contactar a senhora. Mas estava a inteirar-me da situação e a conversar com todas as pessoas internamente para depois voltar a dar feedback”, acrescenta, negando categoricamente que tenha havido algum machismo. “A PN perguntou-lhe se havia uma pessoa idônea para entregar a notificação, daí a pergunta se tinha um companheiro. Não metemos na vida pessoal de ninguém. Quanto a pergunta se estava com viatura, era apenas para saber. Não houve qualquer outra intenção.” 

Sair da versão mobile